sexta-feira, 24 de setembro de 2010

“GRAMÁTICA PELA GRAMÁTICA É CAFÉ SEM AÇUCAR. SÓ ALGUNS GOSTAM.”


Não é de hoje que se discute a importância do estudo da gramática. Massas se movimentam numa dicotomia de fazer gosto a qualquer estudioso do futuro. O que se discute de regra é: a gramática deve ser estudada como fim, pois representa um recurso de poder e controle sobre as demais classes sociais; ou como meio, já que o objetivo da língua se presta à comunicação e não à forma?

Acredito que, apesar de ter passado longos anos da minha vida me dedicando ao estudo da nossa língua, devo ter recebido em algum momento a pecha de “inovador demais”. Não me considero inovador, também não me considero descuidado. Certamente me preocupo com o rumo que toma a língua e as conseqüências que desse decorrem. Inovadores verdadeiros são os que transformam a língua efetivamente – o povo – simplificando-a de maneira a dar musicalidade, clareza e velocidade à comunicação.

Relacionando essa noção ao concurso público, percebe-se - e isso me parece bom - que a elaboração das provas (NCE, ESAF, CESPE, FCC) vem caminhando rapidamente para a instrumentalidade da língua nos moldes do povo. Há questões que, apesar de torrencialmente criticadas, não trabalham mais com a noção de erro. Triste é ver que alguns colegas de trabalho insistem em determinar como verdade usual aquilo que há muito se transformou em arcaísmo ou representa importação inadequada.

Em adição a essa proteção inexplicável, vive-se uma guerra industrial lucrativa do certo e do errado, do “pode” e “não pode”, contribuindo para aumentar ainda mais o preconceito lingüístico absolutamente irracional.

Fica difícil convencer (esta é a palavra adequada) o aluno mais talentoso da noção de erro na utilização de um pronome proclítico, ou do verbo ter no lugar do haver. A pergunta – sem resposta – que provavelmente partiria dele seria. A língua é a regra que não existe na prática, ou a prática que não existe na regra?

Também através dos nossos próprios “mestres dos mestres” herdamos o preconceito. Em entrevista há pouco tempo, um ilustre defensor ferrenho da norma chegou a dizer, que foi ao Maranhão porque tinha ouvido dizer que lá se falava um “bom” português. Vejamos o que ele disse:

“Certa vez, fui ao Maranhão porque me disseram que lá se falava um português menos contaminado. Pura lenda. Acho que, no cômputo geral, o carioca é o que se expressa melhor sob a ótica da norma culta. Ele não come o “s” quando usa o plural, utiliza os pronomes com mais propriedade, não erra tanto nas concordâncias e tem uma linguagem mais criativa”.

Preconceito sem fundamento teórico. Chegando ao Rio, no aeroporto Tom Jobim, ouvi um homem bem vestido, com anel de formatura no dedo – sotaque carioca – gritando para o rapaz do check in: “Já são três aeroporto e nada, meu irmão”. Interessante é que, com a naturalidade apresentada pelo indivíduo, aquela frase não me pareceu agressiva e muito menos feia. O s é “comido” por todos os brasileiros, incluindo cariocas. Ponto!

De qualquer forma, não se está discutindo aqui a execração da norma. Claro que o estudo dos aspectos gramaticais nos auxiliam, localizando-nos, organizando-nos. Acredito que a gramática deva ser estudada a fundo, sim. Mas com alegria, com interações práticas com revelações intelectivas, como ponte para a compreensão do próximo. Aquela gramática envelhecida, obstruída pelo preconceito precisa ser trocada por uma visão dinâmica, moderna, com abertura à transformação; precisa ganhar vida em sala de aula, tirar sorriso do aluno e fazê-lo compreender que ela não é pior nem melhor que a língua que ele fala no dia a dia. Pelo contrário, através de uma abordagem mais irreverente e sensata (não é contradição), torna-se fundamental descobrir que há muito mais relação ou identificação entre as duas, desde que não se deprecie subjetivamente uma ou outra.

Triste é ainda vermos, quando feita a pergunta em sala “Quem gosta de estudar a língua portuguesa”, poucas mãos entusiasmadas.

A despedida deixo para O Mestre.

Aula de Português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender

A linguagem
na superfície estrelada de estrelas,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.


Carlos Drummond de Andrade

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